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DO IRREPARÁVEL: o que pode uma ética de reparação?

Acontece, ao lidar com o Irreparável, que o impossível da tarefa a torna urgente. Porque toda a reparação será sempre insuficiente e porque desde sempre é já tarde demais, reparar (n)o irreparável consistirá, talvez, em frequentar esse território abismal e aporético no qual reparar chega a coincidir com destruir e matar. E como matar eticamente o sistema não poderia começar de outro modo senão por matá-lo intimamente, numa luta de si para consigo pela descolonização sensível, confrontamo-nos com um compromisso de (auto)cuidado e (auto)amor que implica, radicalmente, pesquisar modos de (não) morrer. À questão disparadora da in-terminável pesquisa com o Modo Operativo AND, acerca das políticas da convivência – como viver juntxs? – aglutinam-se, então, indagações emergenciais e cruamente concretas: como morrer juntxs? como viver só? como matar(-se) sem morrer? como encerrar o irreparável ciclo da dívida, feito-facto do saque colonial-capitalista, e (re)entrar no ciclo da dádiva? Como ver e fazer ver a impermanência das coisas e daí derivar um mundo equânime? Como desintoxicar a percepção e passar do ver ao reparar, que é um ver adensado de presença, que escuta, que tacteia, fareja e saboreia? Como passar da cosmovisão à cosmosensação e, assim, para um modo de estar atento à inseparabilidade e à delicada quasidade de tudo que é/vai sendo? Como activar uma luta amorosa – essa vigília sem tréguas, essa navegação (im)possível e (im)precisa entre a cumplicidade e a reciprocidade? Como tomar coragem e tornar-se ancoragem? Um tal corpo de luta não se faz sem que se gere atenção a toda e a cada uma das suas partes, num empenho de desfragmentação e de re-conhecimento de si como agregado não-compulsório, para o qual nenhuma organização tem prerrogativa de auto-evidência. Não se faz sem des-privatizar os desejos e as volições, des-normatizar ecologias somáticas, noções de saúde e bem estar, e des-automatizar padrões reincidentes, hábitos de comportamento e conversas internas – monólogos da interpretose e do ponto de vista. É então preciso – mas é tão impreciso! – termo-nos para entre-termo-nos.

O Modo Operativo AND, nos seus diversos (contra)dispositivos de jogo relacional, funcionará como ferramenta transversal para uma jornada de partilha prático-teórica desta pesquisa encarnada.

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Fernanda Eugenio é antropóloga e artista. Trabalha com pedagogias radicais, práticas político-afectivas encarnadas, performance ampliada, proposições urbanas situadas e com a construção de modos de fazer transversais para a com-posição relacional e para a criação por re-materialização – nomeadamente o Modo Operativo AND, metodologia que desenvolve desde os anos 2000.  Dirige a plataforma AND_Lab | Arte-Pensamento e Políticas da Convivência, com sede em Lisboa e núcleos no Brasil e em Espanha, a partir da qual explora os entre-lugares emergentes de uma trajetória marcada por colaborações intensivas, deslocações e desvios, entre a pesquisa académica estrita e uma investigação singular dos usos artísticos e políticos da etnografia. É pós-doutorada pelo ICS/UL; doutorada e mestre em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ. Foi Pesquisadora Associada do CESAP/IUPERJ/UCAM (2003-2017) e Professora Adjunta da PUC-Rio (2005-2012). Nos últimos quinze anos, tem actuado como professora convidada em diversos programas de formação em ciências sociais, artes e performance (inter)nacionais. Suas publicações, criações e colaborações circula(ra)m por Brasil, Chile, Argentina, Peru, Portugal, Alemanha, Itália, Áustria, França, Espanha, Grécia, República Checa, Reino Unido, EUA, Canadá e Vietnã.

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Artwork © Jani Nummela